Homo Faber e a Marcenaria: Construindo Cultura e Significado

Homo Faber e a Marcenaria: Construindo Cultura e Significado

No cerne da existência humana reside uma capacidade singular: a de construir. Não apenas erguer estruturas físicas, mas de moldar o mundo, de infundir significado na matéria e de criar uma realidade que transcende o natural.

Henri Bergson cunhou a expressão “Homo Faber” – o homem construtor – para definir essa essência. Longe de ser um mero animal adaptado ao ambiente, o ser humano é aquele que gera um mundo à parte: o mundo da cultura. E a marcenaria, em sua forma mais pura, é uma das manifestações mais potentes dessa capacidade.

A marcenaria não se resume à habilidade de cortar e unir madeira. Ela é uma técnica, um conjunto de saberes e práticas que permitem a transformação da matéria-prima em objetos de cultura material.

A mesa ou um armário… Os móveis em geral não possuem apenas funcionalidade. Uma cadeira, por exemplo serve sim, para descansar sentado. Contudo, seu valor e sua complexidade se revelam em outra camada, a do significado que ela carrega.

É aqui que a semiótica, a ciência dos signos, se torna fundamental para fazer marcenaria com design. Como Charles Sanders Peirce nos ensina, um objeto é mais do que sua forma física; ele é um signo que remete a ideias, valores e contextos culturais. Uma cadeira Shaker, por exemplo, não é apenas um assento; ela é um ícone de simplicidade, funcionalidade e uma ética de vida. Uma peça de marcenaria tradicional japonesa evoca uma filosofia de harmonia com a natureza e precisão meticulosa. O objeto de marcenaria, portanto, é um artefato cultural, um ponto de encontro entre a técnica, a estética e o universo de significados que a sociedade lhe atribui.

O marceneiro, ainda que ignore este fato, cria objetos com significado. Quem se deparar com o móvel executado vai “ler nas formas” uma série de informações. A primeira, sem dúvida, são as próprias da funcionalidade: “Ah… isso serve para sentar”.

E outras muito mais sutis… Este objeto é para um rei sentar; ou uma rainha. Este outro é para um aluno ou um operário etc. Podemos dizer que existe, portanto, uma dimensão na forma do móvel que remete ao sujeito usuário e seu status.

As formas carregam também valores. Quando nos deparamos com um móvel feito com madeira de demolição, as marcas dos pregos transmitem um ideal ecológico e sustentável do seu possuidor.

Praticamente todos os valores podem ser escritos em formas. Não são as formas das letras articulações de signos que por fim expressam os mais delicados sentimentos, como o amor por exemplo?

fig. Poltrona favela. Irmãos campana

Vilém Flusser, em sua análise sobre o mundo codificado, nos provoca a pensar sobre como os objetos que criamos se tornam portadores de informação, de mensagens. A marcenaria, nesse sentido, é uma linguagem também. Cada escolha de madeira, cada tipo de encaixe, cada acabamento, cada proporção, é uma palavra, uma frase que compõe uma narrativa. Vejam, a poltrona Favela dos Irmãos Campana… Esse objeto é um texto de design em forma de móvel.

O marceneiro, ao construir, não está apenas fabricando; está comunicando, está codificando ideias e valores em formas tangíveis.

A magia da marcenaria.

O “Homo Faber” da marcenaria não se limita a reproduzir o que já existe. Ele projeta, inova, e, ao fazê-lo, expande o domínio da cultura material. A oficina, nesse contexto, não é apenas um local de trabalho; é um laboratório de ideias, um espaço onde a imaginação se materializa. É um espaço de magia e neste particular convém um esclarecimento.

A magia, como assevera Herbert Read – in Escultura Moderna, uma história concisa – não é uma força pertencente a um estágio passado da civilização. E tampouco a magia é um conjunto de intuições que funcionou na sociedade antes da ciência se apropriar das verdades.

A magia (tanto nos objetos mágicos – amuletos, por exemplo – como nos rituais mágicos) sempre teve por finalidade “(…) gerar nos agentes certas emoções que são consideradas necessárias ou úteis para o trabalho da vida”

A magia é uma força motriz do trabalho prático e presente em inúmeras atividades sociais que precisam de emoção. Vejam, por exemplo, o futebol… insígnias, sinais, uniforme, os rituais de treinamento as ações de surpresa e velocidade que colocam o atleta num plano de supra habilidade… Ele se torna um bruxo, como os populares bem apelidaram o craque nacional Ronaldinho Gaúcho.

A marcenaria com design, neste aspecto, é pura magia e poderia citar aqui um extenso rol de magos da madeira. São técnicas diversas, a do desenho e execução, mas quando congruentes em um único ponto fazem poções poderosas. Conhecendo bem a semiótica, o marceneiro pode perseguir estes efeitos mágicos: gerar emoções (reflexão, amor, carinho, afeição, alegria, contemplação, admiração etc).

Os móveis

Ao invés de apenas consumir o que a natureza oferece, o marceneiro a transforma, conferindo-lhe uma nova existência no reino da cultura. As peças produzidas não são efêmeras; elas são concebidas para durar, para serem usadas, apreciadas e, muitas vezes, passadas de geração em geração, carregando consigo a história de sua criação e os valores de seu tempo. São legados materiais; símbolo do esforço humano transformador. Quando seus netos tomarem nas mãos uma peça de mobília fabricada por você, estarão tocando suas mãos, seu suor; parte das farpas que provaram seu sangue e fitando a madeira que seus olhos brilhantes de desejo transformaram.

Para o marceneiro que busca a excelência, a marcenaria é mais do que a aplicação de técnicas. É uma imersão em um universo de conhecimento que abrange a física da madeira, a geometria das formas, a história dos estilos e a filosofia da criação. É a compreensão de que cada peça é um microcosmo de ideias, um reflexo da capacidade humana de pensar, planejar e executar com intenção.

É nesse aprofundamento que o tédio se dissipa e a verdadeira riqueza do ofício se revela. O leitor que busca mais do que receitas prontas encontrará na marcenaria um campo fértil para a reflexão, para a conexão com a história da humanidade e para a compreensão de como a criação de objetos molda nossa própria existência. A marcenaria, assim, se torna um convite à inteligência, à curiosidade e à busca por um significado que vai além da superfície.

A marcenaria é uma das mais belas e tangíveis expressões do “Homo Faber”. Ela nos lembra que somos seres construtores, capazes de criar não apenas objetos, mas significados e um mundo que reflete nossa inteligência e nossa busca por propósito. As peças de autêntica marcenaria enriquecem a vida, provocam a reflexão e se tornam testemunhos duradouros da capacidade humana de transformar e significar. É essa a marcenaria que cultivamos; é essa a marcenaria que pretendemos transmitir.
Vinícius Carvas

Calendário de Cursos

Março

16 e 17 - Introdução ao estudo da marcenaria e afiação de ferramentas

30 e 31 - Teoria geral dos Encaixes de madeira

Abril

13 e 14 - aplainamento – plainas manuais, desempenadeira e desengrossadeira.

27 e 28 - Serra elétricas estacionárias: serra circular e serra de fita: tipos, evolução, segurança, operação, gabaritos etc.

Maio

18 e 19 - Cadernos de Madeira – Professora Alice Alfano - Ateliê da Mata

25 e 26 - Marcenaria moderna de gabinetes (MDF). Professor Hermes

Junho

8 e 9 - Introdução ao estudo da marcenaria e afiação de ferramentas

22 e 23 - Workshop do candelabro woodsmith

Julho

13 e 14 - Tornearia de cumbucas com professor Thomaz Brasil – Madeira que Gira

20 e 21 - aplainamento – plainas manuais, desempenadeira e desengrossadeira.

Agosto

10 e 11 - Teoria geral dos Encaixes de madeira

24 e 25 - Serra elétricas estacionárias: serra circular e serra de fita: tipos, evolução, segurança, operação, gabaritos etc.

Setembro

14 e 15 - Workshop de garrafas torneadas com professor Thomaz Brasil – Madeira que Gira

21 e 22 - Teoria geral dos gabinetes. Professor Aluizio Tomazeli.

Outubro

12 e 13 - Introdução ao estudo da marcenaria e afiação de ferramentas

26 e 27 - Workshop de mesa de centro

Novembro

16 e 17 - curso de acabamento em madeira

23 e 24 - Serra elétricas estacionárias: serra circular e serra de fita: tipos, evolução, segurança, operação, gabaritos etc.

Dezembro

7 e 8 - Workshop de candelabro Woodsmith